A primeira semana de dezembro de 1996 foi marcada pelo encontro mundial dos representantes das comunidades sefaraditas da diáspora portuguesa. O encontro transcorreu nos dias 3, 4 e 5 de dezembro, em várias cidades de Portugal. Foi inegavelmente um gesto de repúdio oficial do governo português ao capítulo nefasto de uma história iniciada exatamente no dia 5 de dezembro de 1496.

Como estava para se casar com a filha dos reis da Espanha, os quais já haviam expulsado os judeus de seu solo, Dom Manuel I, por imposição dos futuros sogros, acabaria por fazer o mesmo em Portugal. Ao soberano luso, no entanto, não interessava levar essa intenção às últimas conseqüências, pois considerava o povo judeu um povo indispensável ao comércio, às ciências e, mormente, às empresas marítimas. Assim, decretou a expulsão dos judeus, mas ao mesmo tempo negou-lhes navios suficientes para a saída.

Excedido o prazo, o porto de Lisboa viu-se apinhado de famílias judias que, ali mesmo, foram compelidas a receber o sacramento do batismo, no mais absoluto estupor, enquanto os padres da Igreja espargiam sobre suas cabeças a água batismal.

Iniciava-se, desse modo, o capítulo dos cristãos-novos em Portugal. Por outro lado, D. Manuel I concedeu 20 anos de isenção de qualquer inquirição religiosa aos novos cristãos.
Não restava a menor dúvida de que a política manuelina foi uma combinação de violência e sedução para converter os judeus em terras lusitanas. Viu-se, então, sinagogas serem transformadas em igrejas, bairros judeus serem extintos e, por uma questão de sobrevivência, parte dos judeus abdicarem da fé e abraçarem o cristianismo.

Em 1536, introduzia-se em Portugal o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Como se tratava de uma instituição Eclesiástica, o tribunal só podia impor penas espirituais aos culpados de heresia. No entanto, se entregassem à justiça civil os condenados, estariam, na verdade, submetendo-os à pena capital, além do confisco de bens.

Observa-se que desde 1507, ou seja, antes da criação do Tribunal Inquisitório (1536), já havia sido promulgada a lei que estabelecia a igualdade civil entre cristãos velhos e cristãos novos, no país. A igreja, contudo, não vendo com bons olhos esse grupo recém convertido, desconfiava de uma possível prática oculta dos rituais judaicos.

Instrumento de perseguição religiosa durante três séculos, a inquisição transformava cada execução num espetáculo público, cujo auto-de-fé se incumbia do desfecho – que se caracterizava por uma solenidade sacrificial dos presos, em praça pública.

Agora, quinhentos anos depois, realizou-se na cidade do Porto, Belmonte e Lisboa um encontro das comunidades judaico – sefaraditas da diáspora, organizado pelo governo português, objetivando tornar oficial o desagravo do país ao episódio da expulsão dos hebreus.

A representação do Brasil foi encabeçado pelo Dr. Joseph Eskenazi Pernidji, advogado, escritor e estudioso do judaísmo ibérico, membro do Conselho Superior da Confederação Israelita do Brasil e presidente do Comitê Brasileiro Judaico Sefarad 92. O discurso do Dr. Pernidji, no Teatro D. Maria II, mereceu elogios da imprensa portuguesa. Também marcou presença o ilustre conselheiro da Federação Israelita do Rio de Janeiro e articulador do grupo brasileiro em Portugal, Dr. David Goroditch.

Muitos outros eventos marcaram a ocasião: a inauguração de uma placa, no antigo bairro judaico, na cidade do Porto, “em memória de todos os judeus vítimas do infame decreto de 1496, que só lhes deu a opção à conversão forçada ou à morte.”; a inauguração da Sinagoga Bet Eliahu, em Belmonte, pequena cidade ao norte de Portugal, onde os judeus permaneceram fiéis à religião, ainda que como descendentes dos cripto – judeus perseguidos pela inquisição.

Todos eventos foram presididos pelo presidente da República de Portugal, Jorge Sampaio, e pelo presidente do Parlamento de Israel, Dan Tichon.

Assistiu-se ainda a uma sessão solene na Assembléia da República, evocando os 500 anos do decreto de expulsão dos judeus de Portugal, com a presença das mais altas autoridades do país. Finalmente encerrando o Encontro, o senhor presidente da República Jorge Sampaio ofereceu uma recepção no Palácio Presidencial de Belém a todas as delegações estrangeiras e a comunidade judaica local.

Talvez se possa dizer que a memória do passado serve para revitalizar valores humanos eternos e universais como justiça, liberdade e amor.

Se é verdade que as fogueiras inquisitórias apagaram-se de fato, restam páginas a serem desvendadas de um período negro de sofrimento e perseguições infligidos aos que não se curvaram às pressões externas e, em defesa de suas crenças e valores mantiveram acesas a chama do judaísmo.

(Morashá – Setembro de 1997)

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